A ARTE AGORA
Compreender o que é, esta é a tarefa da Filosofia, pois o que é, é a razão.
George Wilhelm Friedrich Hegel
O que é Arte?
No Ocidente, é possível observar um processo histórico no qual a religião e a ciência consolidaram-se como instituições dotadas de poder político. Nesse processo, a busca autêntica pela fé ou pela razão – enquanto compromissos vitais do indivíduo – foi frequentemente suplantada por dinâmicas de vaidade e ambição humanas.
Com isso, a noção de discurso-verdade como modo de vida perdeu centralidade. Este conceito, que remonta à filosofia grega e foi herdado pelo estoicismo, entendia a verdade não como um mero conjunto de proposições, mas como uma prática existencial. Implicava viver de maneira coerente com o que se professa, transformando o conhecimento em uma orientação ética para o cotidiano.
Michel Foucault, ao analisar esse deslocamento, constata que as próprias instituições passaram a funcionar como garantidoras do acesso à verdade. Seja pela autoridade da Igreja ou pelo consenso da comunidade científica, a verdade tornou-se um bem institucionalmente certificado, e não mais uma conquista pessoal baseada em uma transformação de si.
É o que ele expõe no trecho citado: quando a filiação à instituição basta para legitimar quem detém a verdade, a questão da "verdadeira vida" – da ascese pessoal necessária para viver em conformidade com a verdade – torna-se irrelevante. A instituição religiosa confisca esse problema, e a instituição científica o anula. Foucault descreve esse fenômeno como a razão pela qual a interrogação sobre a "verdadeira vida" foi, progressivamente, se esvaindo do pensamento ocidental.
Foucault constatar que:
"Se a prática científica, a instituição científica, a integração ao consenso científico bastam, por si só, para garantir o acesso à verdade, é evidente que o problema da verdadeira vida como base necessária da prática de dizer-a-verdade desaparece. Confisco do problema da verdadeira vida, na instituição religiosa. Anulação do problema da verdadeira vida na instituição científica. Vocês compreendem porque a questão da verdadeira vida não parou de se extenuar, de se atenuar, de se eliminar, de se puir no pensamento ocidental". (Foulcault, 2011, p. 207).
O termo "discurso-verdade" (παρρησία, parrhesia em grego) foi explicitado como "modo de vida". Em Foucault, a parrhesia não é apenas falar a verdade, mas correr um risco ao fazêlo, e implica uma profunda correlação entre o que se diz, o que se é e como se vive. A revisão captura essa dimensão prática e ética. (A parrhesia é um conceito grego antigo que se refere à franqueza e coragem de falar a verdade, especialmente quando o falante se expõe ao risco. O termo é frequentemente usado na retórica para descrever a ousadia de expressar a verdade pessoal, mesmo que isso signifique ir contra a opinião da maioria ou a vontade de pessoas influentes.)
A expressão ou aplicação da habilidade criativa e imaginação humana, normalmente numa forma visual, como pintura ou escultura, produzindo obras que devem ser apreciadas principalmente pela sua beleza ou poder emocional.
O que fez com que o homem ao construir um vaso, uma lança, um utensilio cotidiano o decorasse com grafismos e desenhos? A arte é uma expressão do "eu, ego, self" que ligada a liberdade e uma habilidade criativa e imaginativa, ex.: Arte rupestre, arte grega, arte do Renascimento...
A arte é uma manifestação humana marcada pela expressão da criatividade e imaginação. A humanidade produz arte desde a Pré-História, como comprovam as pinturas rupestres em cavernas.
A história da arte é dividida para fins de estudo em:
• Arte pré-histórica ou arte rupestre, arte produzida a partir de 50.000 a. C.
• Arte antiga, arte produzida no Egito e Mesopotâmia a partir de 4.000 a. C.
• Arte clássica, produzida por gregos e romanos entre o século VIII a. C. e o século V d. C.
• Arte medieval, arte produzida durante a Idade Média, entre os anos de 476 e 1453.
• Arte renascentista, teve seu auge entre os séculos XIV e XVI.
• Arte moderna, arte surgida por volta do século XIX, com o advento do Romantismo.
• Arte contemporânea ou arte pós-moderna se refere à arte produzida após o Modernismo até os dias atuais.
Pintura, escultura, literatura, dança, cinema, música, teatro, performance, instalação, e happenings são os principais tipos de arte.
A arte pode ter uma função social e ser geradora de reflexão.
O sentido da arte não está na realização de funções práticas ou materiais. Não se exige funcionalidade, apenas ser expressiva “A obra de arte é primeiro obra, depois obra de arte” (Fernando Pessoa).
Ex: Um vaso é somente um utensílio doméstico, mas torna-se arte quando ganha desenhos, pinturas, cor, ornamentação...
• Arte é transformação
O pôr-do-sol, embora belo, não é arte. Quando o pô-do-Sol é transformado em música, pintura, fotografia, gravura, etc...torna-se arte.
• Da obra de arte não se espera nem se exige funcionalidade, havendo nela plena liberdade para lidar com formas e materiais, cores e movimentos, sons e gestos, silêncios e palavras dos quais se espera que exprimam significações e verdades, e cuja beleza decorre justamente de seu poder expressivo (Marilena Chaui).
Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa, leva-nos ao âmago da arte quando escreve:
"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo."
(Alberto Caeiro)
A eterna novidade do mundo. Alberto Caeiro/Fernando Pessoa une duas palavras, que, normalmente, estão separadas e mesmo em oposição: eterna e novidade, pois o eterno é o que, fora do tempo, permanece sempre idêntico a si mesmo, enquanto o novo é pura temporalidade, o tempo como movimento e inquietação que se diferencia de si mesmo. No entanto, essa unidade do eterno e do novo, aparentemente impossível, realiza-se pelos e para os humanos, e chamasse arte. Merleau-Ponty dizia que a arte é advento, um vir a ser do que nunca antes existiu, como promessa infinita de acontecimentos, as obras dos artistas. No ensaio A linguagem indireta e as vozes do silêncio, ele escreve:
O primeiro desenho nas paredes das cavernas fundava uma tradição porque recolhia uma outra: a da percepção. A quase eternidade da arte confunde-se com a quase eternidade da existência humana encarnada e por isso temos, no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos, com que compreender nossa gesticulação cultural, que nos insere no tempo. (Baeta, 2013).
Singularizado pela filosofia do Dasein que “[…] existe sob um céu vazio e sob a força de um tempo que tudo devora, e que é dotado do talento de esboçar a sua própria vida” (Safransky, 2005, p. 17), o Dasein prima por “[…] se importar com o seu próprio poder-ser (Seinkönnen)” (Safransky, 2005, p. 187). Discordo, baseado na física moderna e contemporânea, o tempo por si só não existe, é o produto do ser, da existência, mesmo apenas no plano material, como no plano espiritual e orgânico, que segundo as leis da termodinâmica não conseguem manter-se sempre igual a si mesmo. Uma dessas leis "A segunda lei da termodinâmica propõe a existência da entropia, uma grandeza física responsável por mensurar o grau de desorganização das partículas em um sistema físico ou o grau de irreversibilidade dos processos termodinâmicos envolvidos nas máquinas térmicas, tratando-se de um fenômeno espontâneo, inevitável, irreversível e expansivo." Assim, o tempo como entidade é um constructo humano, não existe, pois depende da existência da matéria, é a matéria que ao decair gera o tempo. Ser para a morte e ser com, pode ser percebido pelo desenvolvimento do conhecimento e da
arte.
A arte conta o passado e faz pensar o presente
• Criamos objetos que nos ajudem a expressar sentimentos e necessidades
• A arte serve para interpretarmos o mundo e nosso lugar no mundo
Reflete Valores sociais
• A arte está relacionada à cultura dos povos, à história de suas sociedades.
• A arte nos ajuda a reconhecer o que somos, ou o que fomos.
• Através da arte descobrimos hábitos e valores de cada tempo histórico, i.e., a arte cristaliza os valores humanos de cada tempo.
Realidade ou Visão de mundo
• A arte é uma forma do ser humano marcar sua presença no mundo, pintura nas cavernas, vasos de cerâmica, templos religiosos, esculturas, roupas, quadros, filmes, etc. representando seu cotidiano, suas ideias, sentimentos e sensações.
• Por isso, a criação de um objeto artístico não precisa mostrar exatamente como as coisas são, mas sim como as coisas podem ser, de acordo com a sua visão.
• A função da arte e o seu valor, portanto, não estão no retrato fiel da realidade, mas sim na representação simbólica do mundo humano.
Arte pode modificar a realidade
• “Através da experiência artística o ser humano desenvolve sua imaginação e criatividade aprendendo a conviver com seus semelhantes, respeitando as diferenças e sabendo modificar sua realidade.
• A arte dá e encontra forma e significado como instrumento de vida na busca do entendimento de quem somos, onde estamos e o que fazemos no mundo”.
Arte, atividade atemporal
• A arte é não fica ultrapassada.
• A arte não progride, como a tecnologia. Mas se desenvolve e muda, assim como o mundo.
• Mas pode agradar numa época determinada, ou em todo o tempo, dependendo dos fatores que influenciam nossa experiência estética, a exemplo da tecnologia.
Arte como desejo de beleza
• Arte é toda manifestação do impulso de tornar a vida mais bela.
Estética
A relação estética do homem com os obras é classificada pelas chamadas categorias estéticas: o belo, o feio, o sublime, o trágico, o cômico e o grotesco.
• Estudo do belo
• Estudo do feio
• Estudo do irônico
• Estudo da cômico
• Estudo do trágico
• Estudo do kitsch
• Estudo do sublime
• Estudo do grotesco
• “Nenhuma arte é casual ou rudimentar: é expressão de um desejo de beleza” Antonio Candido.
A arte é universal?
• Existe um conceito de arte, um traço comum, válido para todos os artistas e épocas?
• Um quadro concebido na Europa no séc. XIX tem valor artístico para uma sociedade indígena brasileira?
• Provavelmente não, já que para esses grupos étnicos os significados da arte como a entendemos não são os mesmos, por não pertencerem ao contexto em que eles vivem.
Arte e Religião
• O homem criou a linguagem, o trabalho, a religião e a arte.
• E tudo isso nasceu inseparável da religião ou da ideia do divino, o que levou à sacralização, à ritualidade.
• Por exemplo, nascimento, amadurecimento, casamento, morte, guerra, semeadura, colheita, culinária, doença, cura, etc. tudo isso tem uma forma de ser feito, realizado.
• “A sacralização e a ritualização da vida fizeram com que medicina, agricultura, culinária, edificações, produção de utensílios, música, dança se realizassem como rituais ou seguindo rituais, e que certos utensílios, instrumentos (sobretudo os musicais), assim como certos vestuários e adornos se tornassem elementos dos cultos. Semear e colher, caçar e pescar (...) assim como pintar, esculpir, dançar, cantar e tocar instrumentos sonoros surgiram, portanto, como atividades técnico-religiosas” (Marilena Chaui – “Convite à filosofia”, 2004).
Apreensão da arte
A apreensão da obra de arte depende:
• Repertório (experiência, conhecimento, valores, necessidades)
• Disposição de apreciação
• Imaginação • Compreensão daquilo que o artista pretendeu mostrar.
Apreciação da arte
• Para apreciarmos a arte é necessário aprender sobre ela.
• Aprender a observar, a analisar, a refletir, a criticar e a emitir opiniões fundamentadas sobre gostos, estilos, materiais e modos diferentes de fazer arte.
Como os artistas veem o mundo
“A arte é um advento, um vir a ser do que nunca existiu antes. O artista é aquele que recorta de maneira nova e inusitada aquilo que está na percepção de todos e que, no entanto, ninguém parece perceber”. Merleau-Ponty (1908-1961) – “Fenomenologia da percepção”
• A obra de arte “fixa e torna acessível” o mundo em que vivemos e que percebemos sem nos darmos conta dele e de nós mesmos nele. A obra de arte nos dá a ver o que sempre vimos sem ver, a ouvir o que sempre ouvimos ouvir, a sentir o que sempre sentimos sem sentir, a pensar o que sempre pensamos sem pensar, a dizer o que sempre dissemos sem dizer. Por isso, nela e por ela, a realidade se revela como se jamas a tivéssemos visto, ouvido, dito, sentido ou pensado. Eis por que o artista é o que passa a experiência de nascer todo dia para a “eterna novidade do mundo” (Chaui, 2004, p.271).
Fonte
Prata, V. Perspectiva Filosófica, vol. 47, n. 1, 2020
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